PADRE ALVES BRÁS

Manter viva a memória

Data

É próprio dos processos não se deixarem paralisar nem prender em formas estáticas e cristalizadas. Na raiz da palavra processo está patente a ideia de caminho a percorrer, de ação em movimento, de desenvolvimento evolutivo, de dinamismo transformador. O processo da causa de beatificação e de canonização relativa ao Monsenhor Joaquim Alves Brás ilustra bem esta noção de percurso ou de viagem que se realiza em vista a uma meta, ou de combate que se trava até à obtenção de um determinado resultado pretendido.

Durante largos anos – e até há pouco mais de meio ano –, o Mons. Arnaldo Pinto Cardoso foi protagonista nesta causa, ao desempenhar a função de postulador. Foi o timoneiro paciente e experiente, nesta longa travessia até à beatificação e canonização, ainda sem fim à vista, porque, de facto, só Deus conhece verdadeiramente os tempos e os modos do desfecho desta viagem. Em estreita cooperação com as Cooperadoras da Família e com a colaboração direta de Maria de Fátima Castanheira, vice-postuladora, Mons. Cardoso dedicou parte da sua vida a esta causa. Com diversas publicações e outras ações promotoras da causa, nem todas visíveis do grande público, mas todas necessárias, contribuiu para a difusão da figura do venerável Monsenhor Joaquim Alves Brás. Defendeu e demonstrou que há percursos de vida dignos de serem contados e preservados na memória. Procurou persuadir os crentes, e não só, de que vale a pena conhecer e dar a conhecer a história completa e edificante do menino doente, de corpo frágil e de espírito robusto, que queria ser padre; que vale a pena conhecer os valores fortes que o exemplo de Padre Brás propõe à sociedade de hoje, contra a globalização da indiferença e contra a cultura do descarte; e que vale a pena compreender como as inquietações, os projetos e as obras de Monsenhor Joaquim Alves Brás têm muito em comum com as linhas da teologia missionária com que Papa Francisco procura desenhar a Igreja do nosso tempo: uma Igreja pobre, sacramento da Misericórdia, que se preocupa com todos os que sofrem e não se cansa de sair para cuidar e dar atenção às periferias existenciais e geográficas da humanidade.

Mons. Arnaldo Cardoso não permitiu que a causa esmorecesse ou caísse na banalidade e na insignificância. Procurou sempre novas formas para a manter ativa, atrativa e atualizada, fomentando o incremento do número dos que se deixam interpelar pela força poderosa do testemunho admirável do venerável Padre Brás.

No início de um novo ciclo, é justo e útil este olhar retrospetivo sobre o desempenho da equipa da postulação cessante – Monsenhor Arnaldo Cardoso (postulador) e Maria de Fátima Castanheira (vice-postuladora) – também como expressão da gratidão sentida por parte de toda a Família Blasiana. Bem-hajam!

Quis a Providência (manifestada no mandato da Sé Apostólica, através do Dicastério das Causas dos Santos) e o Autor da Causa – o Instituto Secular das Cooperadoras da Família –, que fosse eu o chamado a dar continuidade a esta tarefa de tocar as cordas certas para manter viva, desperta e cada vez mais difundida a causa de beatificação do venerável padre Joaquim Alves Brás. Aceito a nomeação de postulador como quem assume uma missão de serviço, mas também como quem recebe uma herança. E é sabido que a herança tem sempre duas faces, duas dimensões: o dom e a responsabilidade. Atendendo ao dom, vejo esta minha nomeação como fator de enriquecimento pessoal, essencialmente no que à vida espiritual e sacerdotal diz respeito. O contacto mais profundo e intenso com a vida e a obra de Monsenhor Joaquim Alves Brás (agora mais acessível graças ao trabalho da anterior postulação, especialmente no campo da investigação, da recolha e da organização do material biográfico) é fonte de contágio da alegria e da luz do Evangelho que sempre guiaram e animaram o venerável padre Brás. Sinto-me grato por esta dádiva.

Mas, além do dom, a herança compreende uma outra dimensão, a da responsabilidade. Quem recebe o dom diz ‘sim’ a um compromisso. E como me parece gigantesco este compromisso, face à folha em branco da minha experiência neste campo! Tranquiliza-me, no entanto, a convicção de que não estarei só nesta missão. Além do apoio técnico do pessoal especializado do Dicastério das Causas dos Santos, terei a colaboração direta de duas Cooperadoras da Família – membros do Conselho Geral – indigitadas especificamente para este setor: Olívia Aires e Elisabete Puga. Conto também com o apoio geral da Família Blasiana, na diversidade e complementaridade das suas sensibilidades e das suas qualidades, para a concretização de iniciativas ao serviço da promoção da Causa, em particular das que já afloram no horizonte, em razão da ocorrência do centenário da ordenação sacerdotal do Padre Joaquim Alves Brás, em 19 de julho de 2025.

Não obstante todo o conforto que possa resultar da certeza destes apoios, a minha maior tranquilidade vem do Alto. A causa de beatificação é essencialmente propriedade de Deus. A mim, a todos nós, compete trabalhar pela vitalidade do processo, garantir a sua continuidade, manter viva a memória, pacientemente, sem obsessão por resultados imediatos nem pressa de chegar ao fim. O resultado final é obra de Deus. Se Deus quiser. Quando Deus quiser. Como Deus quiser.

Pe. Fernando Silva de Matos
Postulador da Causa de Canonização de Mons. Alves Brás
(artigo publicado no Boletim “Flores Sobre a Terra” edição julho/setembro2022)