PADRE ALVES BRÁS

Padre Alves Brás «está vivo no sonho de ajudar “gente que precisa de gente”», afirma monsenhor Vítor Feytor Pinto

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«Ele está vivo no sonho de ajudar “gente que precisa de gente”; vivo nos ideais de serviço que transmitiu aos seus continuadores; vivo nas obras de intervenção social que soube acompanhar até ao último momento dos seus dias; vivo nos modelos de vida cristã comprometida que viveu e soube transmitir aos seus colaboradores e a todos os outros que o recordam sempre. Mons. Alves Brás morreu há 50 anos, mas sentimos que a sua influência permanece e, por isso, continuamos a agradecer a Deus a sua vida».   

Cinquentenário da morte de Monsenhor Alves Brás
Um coração compassivo e empreendedor

1. Quer o Papa S. João Paulo II, quer o Papa Francisco, não se cansam de dizer aos jovens “não tenhais medo”. É um desafio constante a estar no mundo como cristão, seguindo Jesus com uma entrega total, aceitando as chamadas para as diversas missões que o Senhor lhes queira confiar. Esta palavra dos Papas para se não ter medo no seguimento de Jesus, não é de hoje. Sempre, desde o Evangelho, houve jovens interpelados por Deus e que decidiram segui-l’O sem condições. Foi isto que aconteceu com um rapazito que trabalhava no campo e todos pensavam que por ali iria ficar. Mas Jesus chamou-o e ele deixando o trabalho rural, com o apoio da mãe que o entendeu, saiu aos 18 anos da sua aldeia e rumou ao Seminário do Fundão, porque queria ser sacerdote. Não foi fácil a entrada, não foram fáceis os anos de estudo, não foram fáceis as suas condições físicas, porque até a doença se atravessou no seu caminho. O seu amor à Pessoa de Jesus e o seu desejo de seguil’O, até ao dom da vida, venceram todas as contrariedades e foi ordenado sacerdote. Este jovem, o Joaquim, recebeu a ordenação de presbítero em 19 de Julho de 1925 e é o Padre Alves Brás.

2. Jesus disse um dia a 72 discípulos “a messe é grande e os operários são poucos. Pedi ao Senhor da messe que envie operários para a sua messe” (Lc. 10, 2). A este jovem padre foi-lhe confiada a tarefa pastoral de ser pároco de uma pequena aldeia, as Donas no concelho do Fundão. Depois o Bispo, chamou-o para ser formador de sacerdotes. Durante vários anos, no Seminário da Guarda, dedicou-se à direcção espiritual dos jovens que se preparavam para ser padres. Continuou esta tarefa, ajudando os padres novos que sentiam a necessidade de um irmão mais velho, com mais experiência, para os apoiar na difícil missão de anunciar a Palavra, celebrar a Eucaristia e ser sensíveis aos problemas humanos dos mais pobres. Os anos na cidade da Guarda tornaram-no também sensível aos grandes problemas das famílias. No contacto com inúmeras senhoras da cidade, apercebeu-se das inúmeras práticas que minavam a estrutura familiar: infidelidades, prepotências, má preparação para a educação das crianças, orientação errada dos adolescentes, exploração das empregadas, molestadas às vezes por comportamentos grosseiros. À formação dos sacerdotes aliou então, uma grande preocupação pelas famílias que normalmente se dizem cristãs, mas viviam situações difíceis. Então o Padre Alves Brás, sensível aos problemas humanos, pediu ao Bispo para se dedicar às famílias da cidade e procurar resolver questões sociais que envolviam muitas jovens das aldeias que vinham para a cidade trabalhar.

3. O Papa Francisco escreveu uma Exortação Pastoral, a Evangelii Gaudium, em que afirma claramente que a confissão de fé faz-se pela acção social (EG IV). Dá a sensação de que o Padre Alves Brás se deu conta disto, dezenas de anos antes. De facto, perante os problemas vividos por muitas rapariguitas das aldeias que vinham “servir” para a cidade, apercebeu-se de que era imprescindível dar-lhes apoio para se não perderem logo à chegada, caindo em casas duvidosas onde corriam o risco de se prostituir. Ter sensibilidade para este problema, na defesa incondicional da mulher é, nas décadas de 40 e 50 do século XX, uma verdadeira revolução pastoral. Depois de longos diálogos com o Bispo da cidade, após conversar com outros sacerdotes também de grande sensibilidade, conhecendo alguns casos gritantes da exploração da mulher, conseguiu criar uma obra de extraordinário mérito, a Obra de Santa Zita. Defendia, protegia e promovia as jovens que vinham para a cidade à procura de trabalho e a quem se dava toda a ajuda necessária. Foi um trabalho intenso, de grande repercussão na cidade. Ao mesmo tempo que se promoviam estas empregadas domésticas, ajudavam-se as famílias oferecendo-lhes colaboradoras no trabalho da casa e, até, na educação dos mais pequeninos. A Obra de Santa Zita não podia ficar naquela cidade do interior. Veio para Lisboa onde, com o apoio das estruturas da Igreja, se implementou. Ainda hoje tem a sede na Rua de Santo António à Estrela.

4. Há um ditado inspirado no Evangelho que diz assim: “As árvores conhecem-se pelos seus frutos”. Quando nasceu a Obra do Pe. Brás parecia uma árvore franzina sem grande projecção. Mas foi crescendo, criando outros centros em todas as dioceses de Portugal, depois rumou a Madrid, Paris e Roma, e está presente em muitos outros lugares do mundo. Ao ramificar-se em actividades de grande alcance adquiriu uma estrutura de suporte, o Instituto Secular das Cooperadoras da Família. Com a solidez que o Mons. Alves Brás conseguiu ao criar este Instituto foi possível fazer nascer obras sociais de extraordinária projecção. Pela força do Espírito Santo, o jeito empreendedor de Mons. Alves Brás foi multiplicando iniciativas no âmbito da Pastoral Familiar. Os frutos são conhecidos, na Obra de Santa Zita, nascida em 1932 e depois, a pouco e pouco, em organizações complementares que adquiriram autonomia e servem pessoas, famílias e instituições. Vale a pena recordar os Centros de Cooperação Familiar, a Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social, a Juventude Blaziana / Focos de Esperança, as Mensageiras da Família, o Movimento por um Lar Cristão e, sobretudo, a Fundação Mons. Alves Brás que tudo coordena, anima e projecta para a sempre maior eficácia no serviço às famílias. Quando o Papa Francisco dá prioridade à família no seu projecto de renovação da Igreja, com dois Sínodos dos Bispos, as Cooperadoras da Família, em antecipação, dedicaram a sua vida ao apoio integral às famílias que se confiam às suas obras. A intervenção social nascida em 1933, na cidade da Guarda está a dar fruto e fruto em abundância.

5. Recentemente o Papa Francisco enviou uma mensagem à Assembleia Geral do Instituto das Cooperadoras da Família. Ao referir-se ao venerável Mons. Alves Brás, chamava-lhe “um coração compassivo e empreendedor”. É uma visão extraordinária deste servo de Deus. Foi o coração compassivo que o levou a preocupar-se por ser sacerdote, para estar ao serviço dos outros; por ser orientador de jovens padres, para a sua formação integral na entrega a Deus e à ternura para com os irmãos; por ser atento aos dramas vividos numa cidade do interior em que era urgente apoiar raparigas indefesas integrando-as em famílias onde o trabalho permitia o respeito e a promoção da dignidade humana. Foi este coração compassivo que soube empreender iniciativas, criar estruturas, organizar associações cujo objectivo é, em última análise, promover a dignidade humana e o bem comum através de uma permanente acção social. Neste ano do jubileu da misericórdia, o espírito blaziano pede a todos um coração misericordioso, em comunhão com a misericórdia do Pai e sempre disponível para exercer de maneira organizada as obras de misericórdia, com atenção especial aos mais pobres, mais frágeis, mais excluídos da sociedade. Todas as obras das cooperadoras da família têm o selo da intervenção social. Mons. Alves Brás teve no seu tempo um coração empreendedor, como diz o Papa. Deu, por isso, a todas as obras dele nascidas um dinamismo extraordinário que está a fazer história em muitas vidas, em muitas famílias, na sociedade toda.

6. “A vida não acaba, apenas se transforma”, diz Paulo na primeira Carta aos Coríntios. Esta expressão do Apóstolo refere-se à vida para além da morte, a vida na eternidade. Pode, porém, ter outra interpretação, considerando que a vida tem outras expressões. É nesse sentido que poderá dizer-se que pessoas extraordinárias que marcaram as nossas vidas e nos deixaram uma herança de valores continuam vivas. Por isso se afirma, com razão suficiente, que o Mons. Alves Brás continua vivo. Ele está vivo no sonho de ajudar “gente que precisa de gente”; vivo nos ideais de serviço que transmitiu aos seus continuadores; vivo nas obras de intervenção social que soube acompanhar até ao último momento dos seus dias; vivo nos modelos de vida cristã comprometida que viveu e soube transmitir aos seus colaboradores e a todos os outros que o recordam sempre. Mons. Alves Brás morreu há 50 anos, mas sentimos que a sua influência permanece e, por isso, continuamos a agradecer a Deus a sua vida.

Texto: Monsenhor Vítor Feytor Pinto
Artigo publicado na edição de março de 2016 do Jornal da Família