Beatificação e canonização do Venerável Joaquim Alves Brás: expectativas de um caminho em curso

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O caminho em curso a que se refere o tema desta reflexão é o processo de beatificação e de canonização do Venerável Monsenhor Joaquim Alves Brás, fundador do Instituto Secular das Cooperadoras da Família.

Sabemos exatamente onde começou este percurso. Qual foi o seu ponto de partida. Conhecemos algumas das etapas já alcançadas. Temos a consciência nítida da meta que nos propomos alcançar. No entanto, não sabemos nada sobre a distância nem sobre a duração do itinerário que falta percorrer. Por isso é necessário que não nos deixemos vencer pelo cansaço nem pela impaciência, para que a esperança não diminua nem se extinga. É indispensável cuidarmos das memórias para que não se tornem opacas, desfocadas, esbatidas ou escurecidas com o passar do tempo.

A caminhada começou com a fama de santidade, seguiu-se a fase diocesana do processo, depois a fase romana do processo. Esta reflexão será dedicada ao futuro, à prognose, à contemplação da esperança e à análise do que pode significar o tempo de espera que carateriza esta fase do caminho.

Mons. José Luis Gutiérrez – Oficial da Congregação da Causa dos Santos e Relator da Causa de Beatificação de Mons. Joaquim Alves Brás – Entrega da ‘Positio Super Virtutibus et Fama Sanctitatis’ | Roma – 1992 (Arquivo ISCF)

Vamos procurar compreender qual é o sentido das expectativas que nos acompanham enquanto continuamos a caminhar neste processo. Sim, continuamos a caminhar. Aquela que estamos a viver não é de forma nenhuma uma fase estática, uma pausa para descansarmos, mas uma forma nova de caminharmos, com o olhar do coração posto no horizonte da beatificação e da canonização do Venerável Mons. Joaquim Alves Brás.

Beatificação e canonização

Embora dentro da terminologia geral da Igreja as palavras beato e santo sejam sinónimas e exprimam o mesmo conceito (referido àqueles que na vida imitaram a Cristo, morreram na graça e na amizade de Deus e alcançaram a salvação na eternidade), neste contexto específico – que é o das causas de beatificação e de canonização – os mesmos termos têm significados diferentes, tanto a nível eclesiológico/litúrgico como jurídico/canónico.

Com a celebração da beatificação, é reconhecida oficialmente (e formalmente, através da celebração de um rito próprio que pode ter lugar fora de Roma e ser presidido por um delegado do Papa – normalmente o Prefeito do Dicastério das Causas dos Santos) a fama de santidade do Servo de Deus, declarando-o beato e propondo-o como modelo de vida cristã. A grande diferença, em relação à canonização, reside no facto de ao beato ser apenas autorizado um culto limitado a uma diocese ou a uma determinada família religiosa.

A canonização, por sua vez, resulta de uma declaração solene e definitiva da parte do Papa com a qual ele empenha o seu magistério pontifício. A canonização é o ato solene pelo qual a Sé Apostólica declara santos e santas alguns homens e mulheres que, tendo vivido o evangelho de maneira exemplar, alcançaram o Reino dos Céus, e os propõe como modelos de vida cristã e os recomenda à veneração e à invocação dos fiéis em toda a Igreja.

Enquanto a beatificação representa uma etapa intermédia e uma declaração não definitiva com a qual a autoridade eclesiástica concede apenas um culto limitado a certos lugares ou a certas ordens religiosas, a canonização supõe um juízo definitivo, permitindo o culto universal em toda a Igreja.

Porquê a exigência de um milagre?

Como é do conhecimento geral, a Igreja mantém a exigência de um milagre atribuído à intercessão do candidato, tanto para a beatificação de um venerável, quanto para a canonização de um beato.

A importância do milagre tem sido, por vezes, objeto de debate, mesmo nas reuniões do Dicastério, mas o Papa Bento XVI, em 2006, numa mensagem enviada ao então Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, o cardeal D. José Saraiva Martins, reafirmava a necessidade do milagre visto como a certificação da comunhão celeste com Deus dos candidatos à honra dos altares e como confirmação divina do juízo feito pela autoridade eclesiástica sobre a sua vida virtuosa.

Publicação do Decreto de reconhecimento da heroicidade das virtudes do Servo de Deus pelo Papa Bento XVI | 15 março de 2008 (Arquivo ISCF)

Dito de outra forma, a exigência de um milagre para a beatificação e de outro para a canonização equivale à necessidade de uma prova divina da santidade, como a intervenção de Deus que coloca o Seu selo sobre uma decisão de grande responsabilidade tomada pela Igreja. Ou então, usando palavras do Papa Bento XIV, “o milagre é a prova definitiva da vontade divina de glorificar um fiel”.

Os beneficiários de uma canonização

Muitos poderão olhar para todo este trabalho associado ao processo de canonização de alguém que morreu com fama de santidade, como um tributo a essa pessoa, um esforço oferecido em seu benefício, ou um ato de homenagem e de gratidão para a recompensar com um título glorioso pelo legado e pelos bons exemplos que em vida nos deixou.

Nada do que fazemos em prol do desenvolvimento do processo de canonização do Padre Brás, nem a nossa devoção e veneração para com ele, nem as declarações da Igreja concedendo-lhe os títulos de venerável, de beato ou de santo, podem acrescentar qualquer benefício à sua condição atual que, como acreditamos, é a de quem já vive a plenitude da alegria pascal junto de Deus.

Não são, por isso, os santos os beneficiários da própria canonização. A canonização é sempre um dom para a Igreja. Para todos nós, cristãos. Somos nós os batizados quem beneficia com o reconhecimento, por parte da autoridade eclesiástica, da santidade dos que nos precederam no testemunho da fé e, depois da morte, foram transfigurados à imagem de Cristo ressuscitado. Desde logo, porque ficamos a contar com mais um intercessor junto de Deus e com mais um modelo inspirador da nossa vida de cristãos.

Beneficiamos porque os santos são profetas de esperança e continuam a evangelizar com o testemunho da sua vida, segundo a pedagogia da própria Igreja. Os santos proclamam o mistério pascal de Cristo morto e ressuscitado pela salvação do mundo e são expressão da alegria cristã. Do ponto de vista social, os santos tornam-se benfeitores da humanidade e fermento em vários âmbitos da vida humana, sobretudo aqueles que, como o Venerável Joaquim Alves Brás, se empenharam de forma criativa em favor da promoção da dignidade humana através das obras de caridade que realizaram.

O próprio itinerário da causa de beatificação e de canonização oferece ao povo de Deus uma ocasião para o crescimento na fé e na santidade em direção à plenitude de vida com Cristo. Neste caso concreto da causa de beatificação do Padre Brás, a fase que estamos a viver pode ser profundamente enriquecedora para o amadurecimento espiritual e para a santificação do número crescente das pessoas que se deixam contagiar pela alegria e pela beleza que emanam da vida sacerdotal e cristã do Fundador.

Quanto tempo devemos esperar?

A providência divina nos dirá quando for chegado o tempo para a beatificação. A história das diferentes causas de beatificação e de canonização vem confirmar que não existe um padrão fixo indicativo que nos permita chegar a conclusões sobre o tempo que falta para o próximo passo. A questão do tempo, por isso, não é de natureza científica, fundada numa evidência empírica, é de outra ordem. De facto, cada causa tem os seus tempos. Mas prece claro que naquelas causas em que se trata de alguém que marcou de forma incontestável e universal os fiéis do mundo inteiro, com a sua vida exemplar, os tempos de espera foram sempre mais breves, como aconteceu, por exemplo, com Santa Madre Teresa de Calcutá, São João Paulo II, e recentemente o jovem Carlos Acutis.

Por outro lado, quando as circunstâncias históricas indiciam que a Igreja e o mundo ainda não estão preparados para o acolhimento da beatificação ou da canonização de alguém, ou que é ainda necessário tempo para maior divulgação dos exemplos e da obra do Venerável, ou que há mais ganhos para a Igreja com o trabalho de difusão da figura do Venerável do que com a sua beatificação e canonização, o tempo pode tornar-se mais longo até ao reconhecimento do milagre.

Caso paradigmático desta situação foi o processo relativo ao cardeal John Henry Newman.

Ordenado sacerdote pela Igreja Anglicana, em maio de 1825 (comemora-se este mês o bicentenário), veio a converter-se mais tarde ao catolicismo e feito cardeal no pontificado de Leão XIII, em 1879. Morreu em 1890, com fama de santidade.

Foi beatificado pelo Papa Bento XVI apenas em 2010 e canonizado pelo Papa Francisco em 2019.

Os motivos de todo este tempo, terá sido a espera para que as relações entre católicos e anglicanos entrassem numa nova fase, o que aconteceu na sequência do Concílio Vaticano II e do empenho ecuménico da Igreja.

Assim, em vez de ser vista por parte dos anglicanos como uma provocação a agravar as tensões entre as duas Igrejas, a canonização foi motivo de celebração e de festa conjuntas para católicos e anglicanos.

O que nos é pedido

Este é, pois, o tempo que Deus nos concede para divulgarmos cada vez mais a vida, o exemplo e a obra do Pe. Brás. Numa época marcada por diversas crises, também ao nível da compreensão e da vivência da identidade sacerdotal, com profundas repercussões negativas para as vocações consagradas, o exemplo do Padre Brás, defensor dos pobres e apóstolo da família, que encontrou a via da felicidade na sua total consagração a Deus e aos outros, como Padre, poderá contribuir para que muitos jovens deste tempo respondam com generosidade e com entusiasmo ao chamamento de Deus.

Conheço e agradeço o esforço de quem diariamente se dedica e se entrega com entusiasmo a este caminho – e são muitos –, no intuito de dar a conhecer cada vez mais e a mais pessoas o exemplo edificante do Padre Brás. Reconheço o valor e a importância deste empenho, que não será perdido.

Termino com uma história, uma fábula, cujo autor desconheço e que o D. Joaquim Gonçalves, que foi um exímio comunicador e meu Bispo por mais de vinte anos, me contou uma vez para ilustrar como certas experiências podem marcar de forma indelével e determinante a vida das pessoas.

Um cão passeava distraidamente quando, de repente, viu uma lebre atravessar o seu caminho. Naquele momento, o cão sentiu o cheiro, arrepiou-se todo e começou a correr à procura da lebre. E foi uma correria… Ao sentir a sua excitação, os cães da redondeza também começaram a correr. E de cada quintal saía um cão que fazia aumentar a confusão. E outro, e mais outro. Todos, curiosos à procura do motivo de tamanho alvoroço, atravessavam a mata, saltavam barreiras, cruzavam ribeiros… e foi assim durante algum tempo… até que alguns começaram a desistir. Afinal, para quê tanto esforço e tanta correria?…Mas o cão que viu a lebre continuou implacável a sua perseguição… só ele viu e cheirou a lebre!

A história ajuda-nos a perceber como é importante ter presente na mente e no coração as razões pelas quais começámos a caminhar. Eu, como tantos outros, creio, faço parte dos que entraram na corrida já com ela em andamento, mas, ao contrário dos animais da história, conheço bem os motivos por que caminhamos, tenho bem a noção da grandeza deste projeto, não por tê-lo visto nascer, mas porque me foi transmitido através de testemunhos extraordinários de quem o acolheu na sua vida há mais tempo.

Para não sermos vencidos pelo desânimo ou pela tentação de desistir da corrida em que nos empenhámos – e também para que outros possam enriquecer este caminho com a sua presença, o seu entusiasmo e os seus dons –, refrescámos a memória, visitámos as etapas fundamentais do caminho já percorrido, para enfrentarmos com ânimo renovado e com a esperança que não engana o que ainda falta percorrer.

E não esqueçamos de rezar e de convidar outros à oração que é uma força ao alcance de todos. Afinal, a santidade, mais do que fruto do nosso esforço, é essencialmente uma construção de Deus.

Excerto da reflexão elaborada para o congresso “Atravessados pelo Amor e pela Esperança – Cuidar as famílias com(o) o Pe. Brás”

Mons. Fernando Silva de Matos
Postulador da Causa de Beatificação e Canonização do Ven. Pe. Joaquim Alves Brás
Artigo da edição de julho de 2025 do Jornal da Família

Foto: Introdução do Processo de Beatificação e Canonização no Patriarcado de Lisboa | 1990 (Arquivo ISCF)