A Educação é a própria vida

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“Havemos de ter Escolas Profissionais!”, dizia Mons. Joaquim Alves Brás. E assim aconteceu. Hoje a Escola Profissional ASAS atualiza o carisma de um sacerdote marcado pelo pioneirismo. O artigo é do professor da EP ASAS, Carlos Campos.

Em 1989, uma reforma liderada pelo professor Joaquim Azevedo criou as condições para o aparecimento de Escolas Profissionais segundo um novo modelo pedagógico e de organização. Quando ouvi a notícia estava longe de imaginar que essa reforma iria fazer-me voltar à escola. Ao telefone, uma Cooperadora da Família, pediu-me para ir até “à Estrela” (a sede da Obra de Santa Zita), para uma reunião. Eu conhecia a casa desde garoto, claro que fui. “Como sabe, a educação sempre foi uma das vertentes essenciais das obras do Monsenhor. Essa missão nunca acaba. Agora que existem condições, decidimos avançar para a criação de uma Escola Profissional. É mais uma obra do Monsenhor“. Nasceu assim, em, 1991, a EP-ASAS – Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social, qualificada pelo Ministério da Educação para um leque de Cursos Profissionais de 3 anos, do 10º ao 12º, conferindo competências para entrar diretamente no mundo do trabalho e acesso também direto ao ensino superior. A EP-ASAS era mais um degrau na área da educação. Na altura, as instituições do Monsenhor Alves Brás, mantinham a organização de cursos de formação diversos em várias localidades, e tinham uma rede de respostas sociais e educativas para a infância (infantários, creches, jardins de infância) que servia vários milhares de crianças. A Escola Profissional era um grande passo em frente! Por isso, foi enquadrada numa nova instituição, a FMAB, a Fundação Monsenhor Alves Brás.

Alunos da EP-ASAS (Foto: D.R.)

Anos mais tarde, quando ensinar na EP-ASAS já era uma das minhas rotinas, a Cooperadora da Família que dirigia a FMAB e a Escola chamou-me para “uma reunião muito rápida“. “É uma surpresa. Quero que escutem uma gravação antiga” – disse enquanto inseria uma cassete num aparelho igualmente antigo – “reconhecem esta voz?“. Ali mesmo, inclinado sobre o leitor de cassetes, ouvi uma voz resoluta falava da formação, da educação, e do futuro, concretamente de novas profissões das Cooperadoras (Assistentes Sociais, Educadoras de Infância, Enfermeiras), dizia ele: “tendo sempre em vista o bem da Família”. Era a voz do Monsenhor! Não a ouvia há mais de meio século. A dado passo – enquanto insistia na necessidade de formar para ajudar as famílias – uma frase: “havemos de ter Escolas Profissionais!“. Estava ali a prova audível, a razão pela qual a EP-ASAS é uma instituição do Monsenhor.

Retrocedamos até ao tempo do Monsenhor. Nos tempos da Obra de Previdência e Formação das Criadas (O.P.F.C.), a obra que depois passou a denominar-se Obra de Santa Zita (OSZ), a formação foi uma das vertentes essenciais. Daí a denominação Obra de Previdência e Formação das Criadas. Nessa época, o Monsenhor escreveu: “A Família onde nasceu não cumpriu o seu dever: não a instruiu, não lhe formou a consciência, não a preparou para a vida. A Paróquia, em que foi batizada, não a atingiu nada ou só à superfície. A Escola não a frequentou em geral; e se a frequentou, moralmente nada fez. Por isso em Portugal as criadas sem Batismo são às centenas; sem 1ª comunhão são aos milhares; sem Comunhão Pascal e sem Missa aos domingos são às dezenas de milhar; sem preparação profissional e social, são todas“. Ano após ano, com uma determinação heroica e contando com o ânimo das raparigas que se associaram à OPFC, criaram a primordial e única instituição do século XX para defender e valorizar a mulher em todas as suas vertentes: ser humano completo, trabalhadora, na família e na sociedade. Apesar da exiguidade dos meios, a formação abrangeu todos os aspetos: completar o “ensino primário” (como se chamava na altura), e muitas delas, fazerem o ciclo preparatório e outras ainda, continuarem os seus estudos, até o 9º ano; formação humana e social (como agir no namoro, na família e na sociedade), formação espiritual e religiosa), e formação técnica (culinária, corte e costura, lavores, higiene, puericultura, gestão doméstica, enfermagem). As associadas da OSZ completavam estes cursos com diplomas que sublinhavam o sentimento de gratificação pelo conhecimento. Pouco a pouco, as associadas da OSZ passaram a ser reconhecidas como as mais competentes, as mais confiáveis, e também as mais respeitadas. O Monsenhor e a OSZ conseguiram, ano após ano, transformar a realidade valorizando a Pessoa: em vez de ignorantes, as “criadas” passaram a “ensinar” algumas “patroas”. Em vez de miseráveis ou malvestidas, passaram a cuidar de si e a vestir-se com elegância e sobriedade; em vez de ingénuas e à mercê dos “avanços” dos namorados ou de outros abusos, eram mulheres preparadas para se fazer respeitar; em vez de “escravas” sujeitas a caprichos de patrões, conquistaram um lugar digno nas famílias para quem trabalhavam. Implantada por todo o país, a OSZ conseguia acolher as jovens raparigas chegadas às cidades à procura de trabalho e resgatá-las a um mundo de menosprezo, exploração e abuso.” O caminho” – escreveu o Monsenhor – “é dar-lhes uma melhor formação na aldeia e acompanhá-las logo à saída da família“. Forneceu-lhes uma base solidária de apoio e formação, muita formação. Dito assim, parece bonito e fácil, mas não foi nenhuma das duas coisas. Sei do que falo, a minha mãe foi uma delas.

  Entrega de diplomas às Associadas da OSZ (Foto: Arquivo ISCF)

Os testemunhos da época salientam a capacidade pedagógica do Monsenhor: saber explicar, demonstrar, captar a atenção, convencer. Deixou escrito algures (cito de memória) que “é preferível usar o tempo a ensinar do que depois a repreender“. Uma das razões dos sucessos e da expansão da OSZ deve-se ao facto de o Monsenhor ter convencido e preparado as Associadas para serem elas próprias a fazer avançar a Obra, elegendo as suas dirigentes e gerindo os assuntos com coragem. O Monsenhor manteve a autoridade de orientador, mas nunca o poder de mandar, de impor. Ele levou a sério a missão dada por Jesus, em todas as vertentes do apostolado: os sacramentos – “Ide, fazei discípulos todos os povos, batizando-os no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” – , e o ensino – “ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei” (Mt 28, 19-20).

Em matéria de Educação e Formação, o Monsenhor Brás tinha o pensamento num horizonte sempre mais distante. A formação das Associadas era uma forma de atingir, através delas, as famílias. Mas aos primeiros êxitos da formação das associadas da OSZ, o Monsenhor viu a oportunidade para alargar a Formação diretamente às famílias, criando cursos para não associadas, mães de família, casais, etc. Foi com esse espírito que surgiram os primeiros Centros de Cooperação Familiar. A sociedade estava a transformar-se e as obras do Monsenhor, centradas na Família, faziam parte desse processo de transformação. As atividades de formação, originalmente viradas para as Associadas, deveriam estender-se para o “exterior”, para a sociedade. Foi neste contexto que o Monsenhor pronunciou aquela frase, “havemos de ter Escolas Profissionais!” É por isso que, ano após ano, a comunidade escolar da EP-ASAS celebra o Dia do Fundador. É um dia em que os nossos Alunos se divertem e se confrontam com o passado e o futuro que definem a sua Escola.

Feita a retrospetiva, vem a propósito destacar o que fazem as instituições da Família Blasiana na área da educação. Desde logo, as respostas sociais e educativas para a Infância estão ativas em várias cidades do país. Devidamente licenciadas e organizadas com todos os recursos pedagógicos e de segurança para as crianças, as creches e jardins de infância continuam a ser dirigidas por Cooperadoras da Família e contam com um grupo de centenas de educadoras de infância cuja competência profissional e dedicação são inexcedíveis. São, em cada local, referências de serviço de excelência, ao serviço de Famílias que, na sua maioria, não têm possibilidade de suportar os encargos de instituições privadas não apoiadas. Destaco dois aspetos adicionais. Desde logo, as respostas sociais e educativas para a infância das instituições da Família Blasiana (Instituto Secular das Cooperadoras da Família, Obra de Santa Zita, Centros de Cooperação Familiar, Movimento por um Lar Cristão), presentes em Portugal, Espanha e Angola, estão atualizadas em matéria de orientações e metodologias pedagógicas. Em segundo lugar, ao assegurar o cuidado e a educação de milhares de crianças, as Cooperadoras da Família lidam com famílias reais, com a diversidade de situações que ocorrem na sociedade atual. As Cooperadoras da Família que lideram as respostas para a infância lidam com essas realidades todos os dias e tratam cada família como se fosse uma “família de Nazaré”.

Essa dedicação à Família também está presente na EP-ASAS, uma escola assumidamente “inclusiva”, em todas as vertentes, social, cultural, religiosa, etc. Não escolhemos os Alunos. Mais do que eles são à entrada, o que nos interessa e nos move é como é o que eles vão ser depois de sair. A EP-ASAS tem autorização para vários Cursos Profissionais e formou várias gerações de animadores socioculturais, técnicos de apoio à infância, técnicos de turismo, etc.. Nos últimos anos, e fruto das condicionantes demográficas (menos jovens) e políticas (menos investimento público nas Escolas Profissionais), a EP-ASAS especializou-se na área da educação da infância, com o Curso Profissional de Técnico de Ação Educativa. As parcerias com instituições públicas e privadas permitem proporcionar estágios profissionais em condições reais de trabalho. Os diplomados pela EP-ASAS não levam só o diploma. Saem com “ASAS” para o mundo do trabalho e, na maioria dos casos, seguem para a Universidade. Grande parte dos Alunos diplomados pela EP-ASAS tem o objetivo de continuar os estudos. Eles confirmam o que John Dewey escreveu em 1897: “a educação é um processo de vida, e não apenas uma preparação para a vida futura“.  Ao formar estes jovens, a EP-ASAS está a atingir as suas Famílias de origem, a família que eles próprios hão de constituir e as Famílias das crianças com quem vão trabalhar. A ideia do Monsenhor Alves Brás! Ao formar-se uma rapariga, atingem-se três famílias!

Um dia, aproveitámos o Dia do Fundador para mostrar aos nossos Alunos alguns filmes antigos sobre as origens do Instituto, das diversas Instituições, nomeadamente da FMAB e da EP-ASAS, as atividades formativas da OSZ e a forma como o Monsenhor e as Cooperadoras da Família empreenderam essas atividades. “Se calhar, vão aborrecer-se“- pensei eu – “já não há criadas, por que motivo estes jovens se vão entusiasmar com a história da OSZ?“. Estava enganado. Depois dos filmes, quando fizemos algumas perguntas, as respostas foram claras:

– Acham que já não existem problemas com a condição da mulher?

Não! Ainda há problemas! (As raparigas são maioritárias na EP-ASAS)

– E a mulher trabalhadora? Já é tratada com igualdade?

Não, ainda há desigualdades…

– E as Famílias? São apoiadas e protegidas?

Sim, mas não o suficiente. Ainda é muito difícil para a maior parte das Famílias!

Ali, no Dia do Fundador, os Alunos estavam a dizer-nos que continuam a fazer falta instituições que apoiem a Família! Mas o melhor – a resposta mais cristalina – estava para vir.

– Então o que é que poderíamos fazer para continuar o trabalho destas instituições?

Uma jovem finalista – por sinal uma das mais irreverentes – respondeu:

Uma Universidade. Devíamos fazer aqui uma Universidade! Assim não tínhamos de sair daqui.

Ali, no “Salão Vermelho” da Estrela, esta resposta soou aos meus ouvidos como a frase “havemos de ter Escolas Profissionais“, soou, in illo tempore, aos ouvidos das Cooperadoras da Família. Não sei se era a voz do Monsenhor, mas sei que, com ou sem Universidade, a Educação continuará na lista de prioridades das instituições da Família Blasiana.

Carlos Campos
Professor da EP-ASAS
Artigo da edição de julho de 2025 do Jornal da Família