Os idosos não ficaram esquecidos na primeira homilia do Padre Joaquim Alves Brás. Numa releitura da homilia que proferiu na paróquia de Donas, a 14 de setembro de 1925, o Padre Brás chamou-lhes “venerados anciãos” valorizando os traços do tempo e das dificuldades nos “cabelos brancos” e nos “sulcos” das faces. Passados 100 anos a Cooperadora Conceição Brites coloca-se diante dos idosos do nosso tempo e dá de novo a palavra ao Padre Brás.
Celebrar cem anos de vida sacerdotal, de quem suplicava a Deus a graça de ser padre ao menos por um ano e que, nos piores momentos, já se contentava em sê-lo apenas por um dia, é avaliar, já um pouco, o sublime e profundo amor do Padre Joaquim Alves Brás pelo dom do sacerdócio. Nessa medida, podemos aquilatar o fervor e a paixão com que abraçou o primeiro encargo sacerdotal que lhe foi confiado: o múnus de pároco.
Em face disso, creio que os estimados leitores não levarão a mal que retornemos à Aldeia de Donas – àquele ambiente bucólico, para quem o visita, talvez austero, para quem nele vive, ou viveu, nos tempos do Padre Brás.
A sua entrada na paróquia deu-se quase no final do verão, tempo das colheitas, porventura das vindimas, da recolha dos frutos, época, enfim, de grande azáfama e, por isso, de grande esforço e cansaço, para os seus habitantes que trabalhavam na agricultura de sol a sol, com apenas um dia de descanso – o sagrado domingo.
«Entrados» com eles na Igreja matriz, naquele dia 14 de setembro de 1925, comunguemos um pouco dos sentimentos deste povo, para escutar mais um trecho da primeira homilia do seu novo pároco – Padre Brás.
Vimos, nos artigos anteriores, como saudou em primeiro lugar as crianças, depois os jovens e as donzelas, e a seguir os pais e mães de família, dirigindo a todos palavras de sabedoria evangélica, inspiradas pelo Espírito Santo. E, porque quis situar-se no sentir de cada idade e circunstâncias, não parou por aqui as saudações, mas as estendeu a uma quarta realidade – a dos anciãos. É esta saudação que vamos agora escutar. Ouçamo-lo, pois:
Resta-me saudar-vos a vós, venerandos anciãos, e desde já o faço, cheio de profundo respeito, porque os vossos cabelos brancos e os sulcos que o tempo cavou em vossas faces, a isso vos dão direito. Sei que os numerosos anos que sobre vós passaram vos fazem sofrer e algumas vezes bem atrozmente. Por isso, para vós e para os enfermos, desejava ter um coração que fosse todo ternura, todo amabilidade, para que, com a minha palavra e até só com a minha presença, pudesse ser-vos motivo de alívio e consolação, no meio das agruras da vida (…) amo-vos muito, muito, queridos anciãos, e aqueles que, por motivo de doença lá estão presos no leito… O Pároco sente o seu sofrer.
Analisando algumas palavras e frases deste texto, como por exemplo, as que falam dos sulcos que o tempo cavou nas faces, os sofrimentos atrozes, etc., podemos captar alguns traços de carácter deste grupo de pessoas, na medida em que os sulcos das faces são, muitas vezes, sinais visíveis dos «sulcos do coração», rasgados pelos sofrimentos atrozes, os quais, mesmo curados, formam cicatrizes que podem endurecer sentimentos e afetos. Assim, podemos avaliar, como se sentiram estes corações ao ouvirem o Padre Brás, um jovem, a falar-lhes de ternura, com tanta empatia, amabilidade e encanto. Apanhados, talvez, de surpresa por não estarem habituados a mimos e expressões de carinho, podemos imaginar que tais palavras fossem para os corações destes anciãos como que uma terapia de choque, a amaciar a dureza da sua vida rude. E isto deve ter produzido, logo de início, no estabelecer daquela relação pároco-anciãos, tanto impacto quanto as palavras saídas da boca do Padre Brás não eram, porque nunca foram, palavras “ocas”, como quem pretende simplesmente agradar. Pelo contrário, eram palavras bem pesadas, recheadas de compaixão, sobretudo pelos mais vulneráveis, para ser-lhes motivo de consolação e alívio.
Não querendo nós, com este centenário, celebrar apenas o passado, transponhamos para o presente o pensamento e ensinamentos do Padre Brás. Coloquemo-lo diante dos anciãos, os idosos do nosso tempo, e demos-lhe de novo a palavra. Com o olhar atento e abrangente das várias situações deste grupo etário, o Padre Brás dir-lhes-ia:
«Caríssimos amigos: olhando-vos, ao redor, vejo-vos, uns ainda morando nas próprias casas, no vosso «cantinho», como dizeis, mas, apesar disso, muitos talvez, sozinhos, desprotegidos, ou sem cuidados; outros de vós, vivendo agrupados em Lares, talvez contrariados, senão mesmo revoltados; e, graças a Deus, ainda outros vivendo próximos, ou mesmo, com os familiares, recebendo, deles, todo o carinho, dedicação e cuidados necessários.
Sei bem que os tempos e circunstâncias mudaram muito desde os tempos em que vivi e deixei este mundo, e que muitos filhos gostariam de bem cuidar da velhice dos pais, mantendo-os no seu habitat, e não podem.
Mas há muitas situações que me desgostam e de que me compadeço. São aquelas em que alguns pais, que durante uma vida, cuidaram, «serviram», os filhos com tanto amor e dedicação, entregam, em vida, todos os bens aos filhos, confiando em absoluto que estes irão ser gratos e generosos, cuidando deles como foram cuidados. Porém, em muitos casos, bem tristes, não recebem os cuidados de que necessitam e merecem, e ainda têm de «mendigar» dos filhos e, por vezes, dos estranhos, o essencial de que precisam e a que têm direito. E o que digo dos pais velhinhos, posso dizer de alguns tios idosos em relação a sobrinhos, ou de outros parentes, muitos dos quais ajudaram a criar, a estudar, a serem alguém na vida. Quantas vezes acontece estes idosos serem aliciados para virem morar junto deles, com a promessa de que os vão cuidar bem até o fim da vida, e, não raro, a sua intenção é espoliá-los por completo dos seus bens, da sua reforma, e depois, entre carências, maus tratos, e abandono, causar-lhes ou apressar-lhes a morte.
Por isso, eu, olhando, desde “cima”, a sociedade e as famílias de hoje, gostaria de me fazer eco daquela palavra da Escritura, que diz: «Meu filho, ouve o teu pai, que te gerou; e não desprezes a tua mãe, quando ela envelhecer». Prov 23, 22; «…cuida de teu pai na velhice e não o abandones enquanto ele viver. Se o seu espírito for desfalecendo, sê indulgente, não o desprezes, pois a tua caridade não será esquecida… (Eclo.3,12-14).
Conceição Brites – Cooperadora da Família
Artigo da edição de novembro de 2024 do Jornal da Família