É necessário um esforço paciente para aprender a apreciar as múltiplas alegrias humanas que o Criador coloca no nosso caminho: a alegria da existência e da vida; a alegria do amor honesto e santificado; a alegria tranquilizadora da natureza e do silêncio; a alegria, por vezes austera, do trabalho bem realizado; a alegria e a satisfação do dever cumprido; a alegria transparente de um coração puro, do serviço e do saber partilhar; a alegria exigente do sacrifício. O cristão poderá purificá-las, completá-las e sublimá-las. A alegria cristã supõe um homem (uma família) capaz de alegrias naturais. Frequentemente, foi a partir destas que Cristo anunciou o Reino dos céus.
Estas palavras da exortação apostólica Alegrai-vos no Senhor (Gaudete in Domino), do Papa Paulo VI, publicada no Ano Santo de 1975, estão na linha daquilo que o Papa Francisco escreveu na Exortação Apostólica A alegria do Evangelho, que constituiu o texto programático do seu pontificado: «A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira dos que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria» (EG 1).
«A alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja» (AL 1). Esta citação é da exortação apostólica “A alegria do amor” (Amoris Laetitia), oferecida pelo Papa Francisco à Igreja, após as duas assembleias do Sínodo sobre a família, e está na base da pastoral familiar das nossas paróquias, dioceses e movimentos apostólicos, cuja finalidade é o apoio à família. O capítulo VIII deste documento “Acompanhar, Discernir, Integrar”, é um instrumento precioso no complexo apostolado de integração eclesial de quantos, contraído o Matrimónio à face da Igreja e, mediante o divórcio, instauraram nova união, alimentando, contudo, legítimos anseios de se virem a incorporar na prática normal da vida cristã.
Integrar estas famílias na vida eclesial e social, respeitando os seus valores culturais e religiosos, será um passo significativo para que o amor de Deus possa reinar nos seus corações individualmente e comunitariamente, sempre confiados na esperança da fé que tudo vence.
O catecismo que aprendemos em crianças ensinou-nos que a alegria é fruto da presença do Espírito Santo em nós (cf. Gl 5, 22-23) e, na sua base, está a virtude teologal da esperança, enquanto desejamos e esperamos de Deus a vida eterna como nossa felicidade, colocando a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos na ajuda da graça do mesmo Espírito para merecê-la e perseverar até ao fim da nossa vida.
O Jubileu que estamos a viver coloca a esperança no coração da vida cristã, porque ela nasce do amor e funda-se no amor e, por isso, «precisamos de transbordar de esperança (cf. Rm 15,13) para testemunhar de modo credível e atraente a fé e o amor que trazemos no coração; para que a fé seja jubilosa, a caridade entusiasta; para que cada um seja capaz de oferecer ao menos um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito, sabendo que, no Espírito de Jesus, isso pode tornar-se uma semente fecunda de esperança para quem o recebe» (Bula do jubileu, 18).
A família tem hoje, tal como nas gerações anteriores, um papel insubstituível na educação dos filhos. Ela é a Igreja doméstica, tal como no-la apresenta o concílio Vaticano II, a comunidade cristã de referência, na qual os pais devem ser os primeiros e mais importantes catequistas dos seus filhos. O ambiente familiar, onde os pais vivem e testemunham a sua fé em Cristo ressuscitado, deve ser o espaço privilegiado da educação na fé. O Papa Leão XIV, na homilia do Jubileu das famílias, das crianças, dos avós e dos idosos, no passado dia 1 de junho, afirmou que «na família, a fé é transmitida, de geração em geração, juntamente com a vida: é partilhada como o alimento da mesa e os afetos do coração. Isso torna-a um lugar privilegiado para encontrar Jesus, que nos ama e quer sempre o nosso bem.»
Os pais devem ser exemplo de fé para os filhos, e para se converterem em bons crentes têm de ser bons orantes. Não é possível dialogar com um Deus sempre invisível, e hoje menos evidente na vida das nossas famílias, se não se vive da contemplação. A atitude contemplativa é, hoje, elemento constitutivo da identidade cristã. A novidade da pregação cristã radica na qualidade de vida que leve o evangelizado a uma experiência nova do Deus vivo. O ministro do Evangelho, neste caso os pais, que não tenha o Evangelho no seu coração, objeto da sua contemplação e motivo de oração, não o conseguirá manter na sua boca como ação missionária, em ordem a educar os seus filhos na fé. A felicidade de uma família só existe quando há comunhão entre os esposos com os filhos e também com Deus.
Entre os pressupostos que enfraquecem e não dignificam a família tal como Deus a projetou, olhando a realidade que nos envolve, constatamos um aumento de separações/divórcios, e cujos cônjuges contraem nova união, uniões de facto, católicos unidos apenas em casamento civil – modelos de famílias com que nos deparamos e que nos devem levar a pensar e repensar a realidade e formas de atuar, nomeadamente quando há vínculos que ainda os ligam à suposta alegria de ser família em Igreja: pedido dos sacramentos, envio dos filhos à catequese…
Qual a atitude a ter para com todos aqueles que embora não tenham constituído família nos moldes em que Deus a projetou, é uma questão que nos deve interrogar.
Para o cristão há apenas um caminho para encontrar o que agrada a Deus – o do discernimento – discernimento que depende da pessoa e da abertura da sua consciência ao Espírito: «E é isto o que eu peço, que o vosso amor cresça cada vez mais em conhecimento e sensibilidade, a fim de poderdes discernir o que mais convém» (Fl 1,9-10). É necessário, portanto, abrir o coração às sugestões interiores do Espírito, que convida a ler em profundidade os desígnios da Providência. O discernimento é essencial para a maturidade e o crescimento espiritual. O processo passa por aprender a reconhecer a ‘voz de Deus’ dentro de nós.Diz-nos a experiência que quando a Igreja não responde satisfatoriamente aos anseios espirituais e existenciais do mundo na sua realidade histórica concreta, o mundo cria respostas e caminhos que procuram satisfazer as necessidades e angústias existenciais.
O Pe. Joaquim Alves Brás, na década de trinta do século passado, e nas visitas que fazia ao Sanatório/Hospital da Guarda, onde encontrou muitas mulheres vítimas de violência física, psicológica e mesmo sexual, discerniu que o seu campo de apostolado seria a família. Ele próprio afirmou: «A missão da Obra de Santa Zita é promover o bem espiritual e temporal das associadas e, por meio delas, das famílias que servem». Para isso fundou o Instituto Secular das Cooperadoras da Família, a quem dizia: «É preciso que vós vades, onde ninguém vai, levar Cristo aos pobres e às famílias» e «A família é uma escola e a primeira das escolas, onde se formam os cristãos… os habitantes da terra e do céu». Em janeiro de 1959, fundou o Movimento para um Lar Cristão, para que a exemplo da Sagrada Família de Nazaré ajudasse as famílias material, moral e espiritualmente, com a finalidade de serem irradiadoras do amor de Deus.
A família é a verdadeira fonte e berço da civilização do amor, por sua vez, a esperança é a fonte da alegria das nossas famílias. A exemplo do Venerável Pe. Joaquim Alves Brás, apóstolo das famílias, pertence à comunidade cristã e a todas as pessoas de boa vontade ajudar as famílias a crescerem no amor e a serem felizes.
D. António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro
Sacerdote do presbitério da Guarda, onde começou a aventura espiritual de Mons. Joaquim Alves Brás
Artigo da edição de julho de 2025 do Jornal da Família
Foto: Arquivo ISCF