Padre Brás, um modelo sacerdotal para o nosso tempo

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Chamado por um ato de amor sobrenatural, absolutamente gratuito, o sacerdote deve amar a Igreja como Cristo a amou, consagrando a ela todas as suas energias e dando-se com caridade pastoral até dar quotidianamente a sua própria vida”.

Esta citação do Diretório para o ministério e vida dos presbíteros (1994, n. 13) é central para a identidade e compreensão do ministério sacerdotal. A caridade pastoral é a primeira virtude do sacerdote.

O presbítero tem a sua vida e o seu ministério voltados para o povo de Deus. Tal como foi a vida de Jesus: uma disponibilidade em favor dos outros. Encontra o seu fundamento no Cenáculo, onde Jesus, na última Ceia, como nos narram os quatro Evangelhos, institui a Eucaristia e o sacerdócio ministerial e também, na versão de São João, tira o manto, coloca uma toalha à cintura, ajoelha-se e lava os pés aos discípulos. O lava-pés torna-se uma parábola em acto, em que Jesus diz fazendo, que os seus discípulos têm a missão primeira e principal de fazer: colocarem-se ao serviço da Igreja.

Ocorrendo o centenário da ordenação sacerdotal do Pe. Brás, pareceu-me importante revisitar a vida do Fundador, olhando para a sua vida sob a perspetiva da caridade pastoral ou, se quisermos usar duas expressões suas: o zelo apostólico e a salvação das almas. Mais do que eu a escrever vou procurar deixar que fale o Pe. Brás e os que com ele conviveram.

Todos sabemos que desde muito cedo o Pe. Brás sentiu dentro de si e de maneira muito forte um apelo a ser padre. Na primeira homilia na paróquia das Donas, ele é muito claro no que significa ser padre e qual a sua missão naquela pequena paróquia: “Meus irmãos, não me ordenei, nem vim para aqui, para passar uma vida cómoda e regalada, para viver sempre enclaustrado no presbitério; não: ordenei-me e vim para aqui para me ocupar daquelas coisas que são do Pai do Céu; para zelar os interesses da minha mãe, a Santa Igreja, para gastar todo o meu tempo e imolar até a minha vida no laborioso e árduo trabalho da santificação das vossas almas”.

Olhando para a sua vida, é fácil perceber que desde muito cedo ele quer fazer dela uma entrega, uma doação a Deus, cuidando da salvação das almas e sua santificação. É quase espontâneo na sua maneira de viver a fé entregar-se à causa do Evangelho. Reparemos por exemplo quando, na sua tenra idade de onze anos, não só se vê privado de trabalhar e de estudar, como também terá de ficar deitado, imóvel, quase dois anos. Não foi tempo inútil. Como vão testemunhando quem com ele conviveu “durante o tempo em que esteve doente teve de estar em casa, entretinha-se a ensinar o catecismo a grupos de crianças que vinham ter com ele”. Sabemos também que este tempo acaba por se tornar um tempo fecundo. O seu pároco “visitava-o frequentemente e animava-o na fidelidade à vocação.” Apesar das dificuldades e entraves para ser padre, ele “rezava ao Senhor para que lhe permitisse ser sacerdote e poder celebrar a Missa, nem que fosse só por uma vez”.

Como seminarista terá oportunidade de não só ir aprofundando a sua vocação como também continuar a sua ação pastoral junto dos seus colegas seminaristas. Um deles, mais tarde, vai testemunhar que o seminarista Joaquim Alves Brás, durante o tempo de seminário “fez parte da Congregação de Nossa Senhora e de São Luís Gonzaga e que durante o curso teológico ensinou o catecismo na capela de São Pedro, na paróquia da catedral”. Durante o tempo frutuoso do seminário, em que Joaquim Alves Brás cresce na virtude e na devoção, sentimos também nele o ardor pelo anúncio da boa nova, através da catequese que vai dar e também pela proximidade com os mais pobres, fazendo parte das conferências de São Vicente de Paulo e visitando os presos.

Logo após a sua ordenação, o então Bispo da Guarda, D. José Alves Matoso, nomeia-o pároco das Donas. Como ele havia dito na primeira homilia na paróquia, não ia para ficar enclausurado no presbitério levando uma vida cómoda e regalada. Nos cinco anos de paroquialidade nas Donas começa a dar dinamismo à paróquia envolvendo-se com os paroquianos e trazendo-os à Igreja. São vários os testemunhos dos quais destaco este: “a paróquia era descristianizada e o Servo de Deus desenvolveu uma actividade pastoral múltipla e intensa. Foi sempre um pároco muito zeloso, promotor da piedade entre o povo e a luta pela moral e bons costumes.”

Igreja paroquial de Donas, onde o Pe. Brás foi pároco durante 5 anos

Na vida de um padre, o zelo apostólico não se desenvolve apenas nas paróquias nem só com paroquianos. A obediência do sacerdote, prometida ao bispo no dia da sua ordenação, torna-o disponível não para ir onde quer, mas onde é preciso ir. No caso do Pe. Brás, após cinco anos na paróquia das Donas, a nomeação como Diretor Espiritual do Seminário da Guarda transforma-se numa outra dimensão da caridade pastoral: a orientação espiritual dos futuros padres. Durante este tempo o Pe. Brás dedica-se a este especial ministério, reconhecido pela equipa formadora e pelos próprios seminaristas, como se lê no livro de registos do Seminário da Guarda: “A Direcção espiritual continua a ser prestada com zelo e competência por parte do Rev.mo. Pe. Joaquim Alves Brás, que não cessa de mostrar-se incansável na promoção do maior progresso espiritual dos alunos. Estes, espontaneamente e regularmente, vão ter com ele para a Direção espiritual”.

Como já vimos, uma das características da vida sacerdotal do Pe. Brás é a da sua preocupação pela salvação das almas e, para isso, o zelo apostólico. Aos poucos é cada vez mais estimado e gozava de grande prestígio entre o presbitério da Guarda.

Sabemos que para o Pe. Brás o descanso será sempre pouco. Todas as oportunidades, todos os momentos serão entregues à salvação das almas. Num dos seus apontamentos podemos ler: “O sacerdote deve trabalhar na salvação das almas tanto quanto lhe possível for. Se for preciso sacrificar a saúde, deve sacrificá-la; se for preciso sofrer grandes trabalhos e incómodos, deve sofrê-los; se for preciso sacrificar a própria vida deve sacrificá-la; pois Jesus também a sacrificou por nossas almas”. Num outro escrito irá exaltar a vocação sacerdotal como a mais elevada. Nas suas palavras: “Não há ninguém mais útil ao próximo do que o Padre. É Ele que comunica às almas a única coisa necessária: a vida da graça neste mundo; a vida eterna no outro… É ele que dá aos corações aflitos a esperança… aos culpados a paz de consciência, com a certeza do perdão; a todos a sua caridade, o seu trabalho, a sua vida”.

Também no seminário, enquanto Diretor Espiritual, o Pe. Brás não vai levar uma vida “cómoda e regalada”. Para além da direção espiritual no Seminário, fora dele o Pe. Brás vai ao encontro das situações mais dramáticas da sua época: os doentes nos hospitais e, em especial, as empregadas domésticas que lá encontra. E mais uma vez, aqui, nesta “periferia existencial”, usando a expressão do Papa Francisco, o Pe. Brás vai dedicar e consagrar a sua caridade pastoral: a OPFC, fundada em 1932, o ISCF, fundado em 1933 e o MLC, fundado em 1960.

A estas obras vai-se dedicar o Pe. Brás, encontrando dificuldades e ultrapassando-as, tornando-se num agente transformador da sociedade e da Igreja. O equilíbrio entre a vida de oração e o apostolado, a preocupação pela salvação das almas que passa necessariamente pela oração e também pela proximidade do sacerdote com as necessidades do mundo, faz de Monsenhor Alves Bás não só um homem do seu tempo, mas um modelo sacerdotal para o nosso tempo.

Ao celebrar os 100 anos da ordenação do Pe. Brás, deixo uma pequena oração, escrita por ele próprio, em 1941, durante o retiro anual, que bem poderia ser a oração de todos os padres: “Bem sabeis, meu Jesus, que desde há muito não tenho outro desejo, uma outra ambição senão a de ganhar almas, muitas almas, todas as almas para vós. Aumentai-me esta ambição de forma que não me deixe ter um bocadinho de repouso, mas toda a minha vida seja consumida neste santo labor: ganhar-vos almas.”

Frei José Filipe Rodrigues, op
Artigo da edição de julho de 2025 do Jornal da Família

Foto: Arquivo ISCF