(XII) – Padre Joaquim Alves Brás – Cem anos de amor apaixonado ao sacerdócio

Data

Conceição Brites mergulha nas raízes vocacionais do Pe. Joaquim Alves Brás para descobrir nelas a força, a vitalidade e a fidelidade da sua vida sacerdotal.

Dezanove de julho de 1925 – data memorável, razão de ser do Jubileu de Ordenação Sacerdotal do Venerável Servo de Deus – Pe. Joaquim Alves Brás. Cem anos que, por tão frondosos em graças e bênçãos, nos fazem mergulhar nas suas raízes vocacionais, a fim de percebermos a sua força, vitalidade e fidelidade. 

Diz-se que “a vida é relação e sem relação não há vida”. De facto, se nascemos, foi graças a uma relação, presume-se que, de amor, dos nossos pais e, se continuamos a viver foi, e é, devido a um multiforme sistema de relações, mais ou menos consistentes e conscientes.

Porém, a vida também é “vocação”, termo que provém do verbo latino «vocare» – chamar. Sendo assim, mergulhando mais profundamente nas nossas raízes vitais, percebemos que, ainda antes do nascimento, fomos “vocacionados”, chamados à vida, pelo Criador – nossa «causa primeira» – que atuou pelas «causas segundas», os nossos pais. A vocação à vida trouxe, inerente, outras vocações, outras chamadas e, nomeadamente, duas das mais importantes – a chamada a uma missão no mundo, que dá conteúdo e finalidade à nossa passagem pela terra, e a chamada à santidade. Sobre a primeira vocação, diremos que a vida, toda a vida humana, vem acompanhada de um sonho – o sonho que Deus sonhou para cada ser humano e que, por sua vez, faz sonhar a cada um, sobre aquilo que quer realizar através dele. Como disse Fernando Pessoa – quando Deus quer, o homem sonha, [se sonha] e a obra nasce.

Sobre a segunda vocação, atesta S. Paulo: esta é a vontade de Deus: a vossa santificação. (1 Tes 4, 3) porque, chamados a pertencer a Jesus Cristo (…), amados de Deus, [devemos ser] santos por vocação (Rm 1, 6-7).

Estas duas vocações foram como que dois pilares fundamentais, duas pedras angulares, que unidas entre si, alicerçaram e deram consistência à vida sacerdotal do Servo de Deus, Venerável Pe. Joaquim Alves Brás.

A sua vocação ao sacerdócio, embora não saibamos quando terá despertado, cremos que terá sido sonho precoce, que se foi revelando e tomando consistência durante o período da sua «primeira quaresma» – como ele próprio, mais tarde designaria os três anos em que uma grave doença – a coxalgia – o reteve no leito dos onze aos catorze anos, impedindo-o de sair, quer para frequentar a escola, a Igreja, etc. Mas se isto, à primeira vista, parecia ser um vento contrário, a impedi-lo de seguir a rota da sua vocação pelos muitos problemas e contradições que lhe trouxe nesse sentido, até conseguir ser admitido no Seminário, e depois todo o sofrimento pela vida fora, foi também, certamente, o vento favorável do Espírito que o fez entrar mais profundamente no seu íntimo, e aí escutar, e cimentar melhor, a chamada de Deus a conduzi-lo nessa direção. De facto, mais tarde, ele próprio afirmava: se não fosse a coxalgia, nunca teria sido padre. E, também por isto, nos parece haver contradição porque a sua vocação sacerdotal foi contrariada, e impedida durante certo tempo, por quem tinha peso na decisão e achava que, por ser coxo, o Joaquim não podia ser padre. Mas aqui está o mistério: a verdadeira vocação, vinda de Deus para continuar a obra de Deus, se conscientizada e abraçada como tal, em ordem à segunda vocação – a santidade – aparece sempre ligada à cruz, porque se trata de seguir o Mestre que, por amor, na cruz nos salvou. Nesta sequência, demos, de novo, a palavra ao Servo de Deus:

 O amor infinito revestiu todas as formas: foi liberal e magnífico, como o amor de Deus; foi previdente e sábio, como o amor de Pai; foi terno, delicado e profundo, como o amor de Mãe (…) E, um dia, sentindo o amor infinito transbordar do seu coração e querendo criar um ser que pudesse continuar a sua obra, promover a glória de Deus e prover a todas as necessidades do homem, Ele criou o Padre. O Padre é, pois, uma criação do amor infinito de Cristo, para continuar a sua obra, para ser no decorrer dos séculos o homem de Deus e o homem das almas, o homem da humanidade.

E porque não tinha dúvidas de que a sua vocação vinha de Deus, que o chamara a ser um desses continuadores da Sua obra, ao vislumbrar o horizonte do seu grande dia, cheio de júbilo, exclamava: Que alegria senti ao aproximar-se o dia em que me havia de dar todo a Deus, no dia da minha ordenação sacerdotal: deixar de me pertencer para ser de Cristo. Ainda que eu soubesse que poderia abandonar a minha vocação sem pecar…ainda que não houvesse céu para me recompensar nem inferno para me castigar’, eu seguiria sempre a minha vocação, não queria deixá-la, porque prefiro fazer tudo por amor… Eu não penso na recompensa, mas sim em trabalhar por amor.

E concluía: O sacerdote tem que ser santo, porque ninguém dá o que não tem e não pode um Padre elevar as almas para o céu, estando ou ficando ele apegado à terra. Quero ser Padre por amor de Deus e das almas.

Estas resoluções, atravessando toda a vida do Servo de Deus, foram desenhando o seu perfil sacerdotal, de forma a fazê-lo adquirir cada vez mais os traços de Cristo – Sumo e Eterno Sacerdote – e a identificar-se totalmente com o Mestre, para melhor realizar a sua missão.

Muitas foram as dificuldades que teve de atravessar, quer antes, quer durante os tempos de seminário, e ao longo de toda a sua vida e obra.  Contudo, nunca se deu por vencido e, longe de se lamentar, quando em momentos de retiro, fazia a retrospetiva da sua vida, a sua atitude era sempre de ação de graças, e de resolução de maior correspondência  à «graça» da sua vocação e missão, como o demonstram estas suas palavras: Quando seminarista, porque era muito fraco e doente, pedia sempre ao Senhor que me deixasse chegar ao Sacerdócio e, se fosse do seu divino agrado, me conservasse a vida ao menos durante um ano. Bondade de Deus! Em 19 de Julho completei 39 anos de sacerdócio! E não hei de amar a Quem tanto me ama?! 

Sim, o Servo de Deus, amava profundamente a Deus, e amava a sua vocação como vinda da mão de Deus. Mas não se pense que este amor à vocação, posto que lhe exigisse muitos sacrifícios, era vivida como mera obrigação de correspondência ao amor de Deus. Não. Ele vivia deslumbrado com a beleza da missão sacerdotal. Assim o exprimiu, um dia, perante os seus seminaristas, num êxtase de louvor e exaltação, com as seguintes palavras, que transcrevemos quase à maneira de um poema:

A vida sacerdotal é bela!

É belo, o Padre, no dia da sua ordenação,

quando as suas mãos trémulas são ungidas e a sua alma consagrada… e recebe a dignidade…

É belo no dia da sua Primeira Missa, quando manda a Deus e Este baixa logo às suas mãos…

É belo, quando dá a comunhão… a bênção… ou quando leva Jesus, em procissão….

É belo, quando, no segredo do santo tribunal, inclinado sobre uns pobres pecadores desolados, perdoa a uns, consola a outros e faz brilhar nas almas contritas, a luz da absolvição que as purifica, as ilumina, as transforma…

A vida do Padre é bela, porque nos aproxima de Deus, porque como que nos transforma em Deus!

Como disse S. Paulo: «todo o sacerdote, escolhido de entre os homens, é constituído a favor dos homens, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados, tanto pelos seus como pelos do povo. Contudo, ninguém usurpe para si esta honra; somente a tome quem é chamado por Deus, como Aarão». (Heb 5, 1-4)

Porém, quem for chamado – diria, sem dúvida, ainda hoje o Servo de Deus – peça ao Espírito Santo, por seu intermédio – que lhe dê a luz e a força suficientes, para descobrir e apreciar toda a beleza e sublimidade da vocação e missão sacerdotal, e para a seguir com prontidão e generosidade. 

Conceição Brites
Cooperadora da Família
Artigo da edição de julho de 2025 do Jornal da Família

Foto: Arquivo ISCF